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sábado, 29 de setembro de 2012

Os franceses e os carros

É possível viver em um lugar com poucos carros, muito verde, áreas públicas agradáveis e silenciosas, com espaços para a convivência dos adultos e a brincadeira das crianças? Uai, só se for em alguma cidadezinha perdida no interior de Minas, dirá você.

O problema das cidades brasileiras é que, em algum ponto do percurso, esquecemos nossas raízes europeias e adotamos o modelo americano, com seu foco absoluto e neurótico no automóvel. São João não é diferente. Qualquer conversa sobre problemas urbanos gira sobre congestionamento, acidentes, motos, quebra-molas, falta de vagas para estacionamento. E as pessoas, onde ficam?

Ficam em casa, escondidas atrás de muros, condomínios fechados, áreas privativas, porque o resto da cidade pertence aos automóveis. Em nossa cidade, não há uma única área pública - nenhuma, zero! - em que as pessoas possam passear, comprar ou convesar em paz e as crianças brincar sem estarem cercadas por veículos, barulho e fumaça. Os carros são protagonistas, as pessoas são coadjuvantes.E achamos tudo muito natural.

Nosso caos urbano crescente não é uma questão de dinheiro. É, antes de tudo, uma questão cultural. É preciso lembrar que somos bípedes gregários e pensar na cidade como um lugar onde essas características possam ser exercidas.

Respondendo à pergunta lá em cima sobre cidades agradáveis: que tal Paris? Veja o que diz este artigo publicado recentemente no Blog do Noblat. E não é só Paris: na Europa praticamente toda, as prioridades são invertidas com relação às nossas: primeiro pedestres, depois bicicletas, ônibus e outros transportes coletivos, e, bem lá no fim da fila, o carro.

Para romper esse círculo vicioso que está tornando nossas cidades inóspitas e agressivas, temos que começar a pensar (e fazer) diferente. Como disse Einstein, é impossível resolver um problema usando o mesmo raciocínio que o gerou.



Cartas de Paris: A relação dos franceses com os carros

Ana Carolina Peliz

Quando decidi morar na França uma questão me perturbou bastante: o carro, ou melhor, a falta dele. Engarrafamentos, dificuldade para estacionar, preços de taxas e seguros... A decisão de viver sem carro se impunha ao mesmo tempo que a resolução de viver em Paris. Meio a contragosto, aceitei, afinal, não se pode ter tudo.

Atualmente, seis anos após abrir mão do carro, com algumas recaídas e passagens pela Hertz, posso dizer que deste mal estou curada. Vivo perfeitamente bem sem e pensaria duas vezes antes de entrar em uma concessionária.

A relação dos parisienses com o carro é bem diferente da dos comuns mortais, o que ajuda muito no processo de desintoxicação. Enquanto em outros lugares não ter carro é pior do que sofrer de uma doença contagiosa, em Paris, tirar carteira de habilitação antes dos 25 anos de idade é uma vergonha, coisa de caipira (“plouc”).

Existe uma espécie de preconceito invertido contra o carro, quase uma reivindicação. Os parisienses, querem deixar bem claro que não precisam de carro porque moram perto de tudo, a diferença dos pobres provincianos que têm que se deslocar para se aproximar do centro do mundo.

Parisiense que é parisiense conhece de cor e salteado as linhas de ônibus - metrô é para os recém-chegados! – e tem um “abonnement” (inscrição) da “Vélib”, as bicicletas de livre serviço.

É verdade que o transporte público funciona muito bem dentro de Paris. Mas fora das grandes cidades francesas, as pessoas também precisam de carro para se locomover. Por isso não é possível generalizar o modo de vida de Paris para toda França e dizer que os franceses não têm carro como pensam muitos.

A grande diferença é que o carro por aqui é visto como meio de transporte e não como uma maneira de demonstrar poder aquisitivo. Por isso, quando os franceses não precisam, eles simplesmente abrem mão do carro ou compram veículos simples, que tiram da garagem em caso de extrema necessidade. E obviamente, levar os filhos à escola no mesmo bairro e comprar pão não entram neste caso. Além disso, normalmente as famílias têm somente um automóvel.

Vendo como os franceses se relacionam com o carro, cheguei à conclusão que a opção pelo meio de transporte é muito mais cultural que social e econômica. Quando ando pelas ruas, tanto da França quanto do Brasil, e descubro os prazeres de uma vida sem carro, agradeço aos franceses por terem me ajudado a abandonar este vício.

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