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segunda-feira, 16 de julho de 2012
Contos Urbanos - Duplicação da rodovia, pessoas e algo mais.
Domingo à noite, por volta das onze. Ruas ensombreadas pela luz amarela que atravessa as árvores e aquele friozinho que anuncia chuva. No inverno não tem jeito: dias de sol quente não aquecem o escuro das noites.
Na volta para casa, cantarolando em boa voz, vejo três vultos subindo uma longa ladeira e atravessando um posto de gasolina. Aproximo-me e percebo que o vulto mais alto, para a minha surpresa, é um velhinho que traz um moleque nos ombros, com grande esforço. Não resisto, encosto:
- Querem carona?
Olhares arregalados de coruja, plumas eriçadas. Se entreolham.
- Por favor!
Papo vai, papo vem, o menino se explica.
- Pulei demais na cama elástica, agora não aguento andar! Daí o vô estava me trazendo...
A senhorinha acha graça com afeição. O homem cai na risada enquanto o pequeno continua:
- Quando eu estiver de cadeira de rodas, é o vô que vai me empurrar.
- E vão para onde? - pergunto.
- Onde der tá bom.
- Mas para onde vão?
- Ali pra trás do Tiro de Guerra.
- Eu vou para o CIC, mas adianto vocês até lá.
Passado o Tiro de Guerra e as histórias do rodeio lá no Recinto de Exposições, vêm as orientações mais precisas.
- Vira à esquerda. Direita. Esquerda e direita de novo.
A senhora, aflita mas agradecida, avisa a cada esquina - tá bom já, bem, não precisa abusar - sendo interrompida pelo resmungo do menino - ah não, que daqui não aguento!
O avô não dá atenção e continua, concentrado.
- Passa a linha do trem. Vira. Vai reto mais um pouco. Pode parar lá na outra esquina, já está bom demais. Você é um anjo, fica com Deus.
Uma caminhada de 3,5 km com uma criança de seis anos nas costas?
Me veio logo à cabeça o que já ouvira antes de uma amiga.
- Eu não vou nessa festa não. Como você acha que vai até lá quem não tem carro? Ou a pé ou de taxi, se não tiver a sorte de uma carona. Sai caro! E é muito longe. Ônibus? Não tem não.
Sábias são as pessoas que conhecem onde vivem.
Outra carona. Ainda agora há pouco, de uma mãe e o sobrinho moço vindo da Prata. Ela contava histórias sorridente. O jovem ria pelo retrovisor. Falou que perto da passarela para eles estava muito bom. Já a passarela, nada boa... quem fez aquilo?
- Já não basta a gente ter que atravessar a rua no DER, fazer o ziguezague das rampas, atravessar lá por cima da rodovia, descer no ziguezague... e aí acabou? Que nada! Deixam a gente no meio do nada para atravessar a marginal movimentada, logo em frente a uma curvona. Tudo bem que até pintaram uma faixa de pedestres. Mas você acha que alguém para ali? Vindo rápido? E virando então, é só não ver que já acertou a gente.
Eu, tentando visualizar de onde ela falava, perguntei curiosa: mas o que você acha que tinha que ser feito então?
- Ora filha, é fácil. A passarela não devia estar ali, logo na frente daquela encruzilhada. Mas já que está, era só atravessar a gente o caminho todo, né! Já que ia construir, fazia logo um pouco mais comprida. Daí a gente atravessava as quatro pistas de uma vez. Quando chegar lá eu te mostro.
Devo admitir, a razão era sem dúvida dela. Que mora na Prata, que talvez não entenda de política, que tem todos os filhos com o nome começado em J. Que não esteve na nossa reunião sobre o projeto de duplicação da rodovia - mas deveria!
Tem horas que é mais fácil ouvir as pessoas do que tentar adivinhar o que é o melhor para elas. Na verdade, somos todos responsáveis pelo lugar em que vivemos e deveríamos estar mais atentos às modificações nele realizadas.
Quinta-feira passada, dia 12/07, em noite chuvosa, um grupo de umas 20 pessoas se reuniu no Bairro Alegre, patrimônio tombado, para discutir o projeto de duplicação da rodovia. Uma mistura de pessoas de todas as gerações, gostos e cores em torno de uma questão aparentemente técnica e desinteressante. Que nada! Não se tratava de falar de cimento, preços e detalhamentos. Tratava-se de uma reunião de umas 20 pessoas interessadas na escala humana, que entendem que a cidade serve para apenas um fim: a cidade é feita para pessoas.
Discutimos travessias, passagens, soluções, caminhos, possíveis dificuldades, a diversidade. Buscamos alternativas e meios de trazer a conversa com a população para a pauta do dia. Buscamos a conciliação entre a administração pública e os cidadãos. De forma pacífica, sem distinção partidária ou financeira. Sem muitas frescuras.
Os resultados são férteis: novas pessoas expressaram suas opiniões. Outra reunião será agendada, ofícios e papeladas estão sendo preparados. Uma exposição deverá trazer detalhes a quem possa interessar. E todos concordaram: o diálogo é sempre a melhor solução.
Pois que venham os próximos!